Ficar: verbo de movimento
Entre uma vírgula e outra, me encontrando para poder encontrar o mundo.
A última semana foi pesada... Pesada de pensamentos, de reflexões, de perguntas sem respostas. Eu tenho essas fases. Fases em que tudo parece pesar mais. O tempo, o silêncio, até as pequenas alegrias ganham um tom de dúvida.
Compartilhei algumas dessas angústias nas redes sociais, talvez na tentativa de aliviar um pouco o peito. E, para minha surpresa, recebi um tantão de respostas. Gente dizendo: “eu também sinto isso”, “é exatamente assim pra mim também”, “achei que era só comigo”.
Essas mensagens me atravessaram de um jeito diferente. Me fizeram pensar que, no fundo, o que a gente mais quer ou precisa é ser visto. Não no sentido da exposição, mas no sentido mais profundo da palavra: ser percebido, reconhecido, acolhido. Ser olhado com presença, sem pressa, sem julgamento.
Porque às vezes não é conselho que a gente precisa. Nem resposta. Às vezes, tudo que a gente precisa é de alguém que diga, mesmo sem palavras: "eu te vejo".
Ainda estou desenvolvendo essa experiência da semana passada, e provavelmente volto a falar dela mais para frente, ou aqui, ou em qualquer outro lugar. Mas, de toda forma, todo o peso da semana que passou ficou por lá (por enquanto) e a newsletter de hoje tem um livro leve.
Leitura de Verão | Beach Read, de Emily Henry
Esse é um daqueles que livros que não prometem grandes revelações, e entregam justamente o que a gente não sabia que estava procurando.
Escrever para desaguar
Adivinha quem se identificou com os dois personagens principais do livro, que abordam a escrita como consolo e confronto da dor?
Desde muito pequena, eu entendi que a arte (no meu caso, a escrita) é escudo e janela. Um lugar para me proteger e, ao mesmo tempo, para me mostrar. Justamente por isso fui a queridinha da minha professora de portugês (como já falei antes), e justamente por isso tantas vezes, minha escrita fica triste, profunda, dolorida.
Às vezes faz chorar. Às vezes me faz chorar. E quase sempre me alivia. Porque quando escrevo eu me enxugo por dentro e as palavras absorvem aquilo que, de outra forma, ficaria parado em mim. E o choro não é sempre de dor, por vezes é apenas transbordamento. Porque tudo que eu sinto, eu sinto muito.
Na semana passada, no entanto, ao invés de me esconder nas palavras ou de tentar me encontrar nelas, eu apenas vivi as dúvidas que pipocaram na minha cabeça, e foi interessante e incômodo me observar no meio do que eu sou quando estou no meio do meu furacão. Perceber para onde cada pergunta me leva me fez perceber que algumas abrem caminhos, outras me deixam diante de becos sem saída.
Quase todas, de algum jeito, me obrigaram a parar de fugir.
Enquanto eu passava por este processo, saber que de alguma forma isso é “comum”, ou ao menos inerente a mais gente, me tranquilizou. Não sou só eu. E talvez eu precise parar de usar as palavras para controlar e começa a usá-las para revelar. Porque ao invés de escrever como quem tenta salvar a mim mesma talvez eu precise só me enxergar melhor. Para que, aos poucos, eu também aprenda a fazer fora da escrita o que sempre me pareceu mais seguro fazer dentro dela.
No fim, escrever é só o primeiro passo. O mais difícil vem depois: permitir que alguém leia, e ainda assim continuar.
Escolher ficar
Ainda das reflexões da semana passada e das reflexões que o livro me trouxe, percebi que ler é mais que entender. É mais do que captar o que foi dito com clareza. É reconhecer no texto aquilo que quem escreveu mal teve coragem de escrever. É escutar o que o silêncio gritou.
O mesmo vale para ser lida: o medo não é só de não ser compreendida, é também de ser compreendida demais ou de menos.
Quando escrevi que tive uma crise de choro, ouvi o mesmo de outras como eu. Quando escrevi que sentia falta de ouvir que eu sou vista, entendi que, muitas vezes, eu também não tenho visto.
Não no sentido de olhar, mas de realmente perceber. Perceber a solidão disfarçada de força. O cansaço escondido atrás de sorrisos prontos. A saudade que não se confessa, mas pesa nos ombros.
E talvez o verdadeiro desafio não seja falar, mas ficar. Ficar depois que o outro falou. Ficar quando a gente percebe o que o outro não disse. Ficar mesmo quando a verdade não é confortável. Porque escutar exige coragem, mas permanecer exige generosidade.
E na busca se ser melhor comigo mesma e melhor com o mundo ao meu redor, percebi que afeto verdadeiro não está nas palavras certas, mas nas decisões do dia a dia. Quando a gente não foge do capítulo confuso, aprende que amar é reler, é esperar, é perguntar de novo.
Permanecer, então, deixa de ser passividade. Num mundo que nos ensina a pular de história em história, escolher ficar é quase um manifesto.
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Depois de tudo isso, acho que começo a entender que escrever é só uma das formas de me encontrar. Que ser lida assusta, mas também cura. E que amar, no fundo, é como ler um livro complexo: exige tempo, paciência, disposição para voltar algumas páginas.
E talvez aqui eu esteja falando muito mais do amor próprio do que de qualquer outro. Até porque é dele que vêm os demais.
No livro, os dois personagens principais são escritores, mas também são leitores um do outro — mesmo quando a linguagem do outro é o silêncio, a dúvida, a ausência. Eles não se apaixonam só pelas versões encantadas, mas pelas versões reais, despidas, contraditórias.
Por quem, e em mim, eu tenho me apaixonado? O quando do meu amor por mim mesma é permanecer na minha história mesmo quando ela deixa de ser leve?
A gente vive em reescritas: as vírgulas são importantes, os silêncios dizem tanto quanto os parágrafos, a pausa faz parte da narrativa, e que nem toda ausência é fim: às vezes é apenas fôlego.
Eu escrevo para sobreviver ao que não cabe em mim. E nesse gesto, entendo que o que me conecta não é a perfeição da história, mas a coragem de continuar contando.
Então, sigo aqui. Escrevendo. Lendo. Sentindo. E, acima de tudo, escolhendo ficar.
Nota
⭐️⭐️⭐️
Três estrelinhas. Porque Leitura de Verão é leve, mas toca fundo. E porque às vezes é exatamente esse tipo de história — com humor, saudade, silêncios e recomeços — que ajuda a gente a continuar a nossa.
Tô pra ler Beach Read, então comecei a ler a news mas decidi guardar pra qdo eu ler o livro! Comprei uma versão especial do target tão linda hahaha, não vejo a hora de ler!
Ai, hoje pegou mais fundo <3 obrigado, amiga!